Meu
primeiro encontro com o aikidô aconteceu no início do ano
de 1998. Eu praticava judô há algum tempo e estava animado
com meu retorno às artes marciais. No entanto, eu me aborrecia
constantemente ao treinar com pessoas maiores e mais fortes que eu,
pois elas não precisavam de muito esforço para me derrubar.
Foi quando um colega de treino me falou sobre o aikidô mencionando
o ator Steven Seagal, que utiliza movimentos do mesmo em seus filmes.
Não consegui segurar o riso e falei que não acreditava
em nada que via nos filmes dele, pois ele freqüentemente entrava
em combate com várias pessoas e as derrotava mal encostando a
mão nelas. Meu amigo então me falou que iria demonstrar
algo e me pediu para empurrá-lo. Não sei o que aconteceu,
mas assim que encostei nele fui parar direto no chão. No outro
dia ele me levou à academia e na mesma semana comecei a praticar
a arte marcial que há pouco tempo atrás tinha desdenhado.
Em julho de 98 eu fazia meu primeiro exame de faixa e já imaginava
quando eu iria chegar a tão esperada faixa preta e poder utilizar
o elegante hakamá. Os anos foram passando e em dezembro de 2000
eu me graduei faixa marrom, último estágio antes da almejada
faixa preta. Era necessário a partir deste momento não
apenas continuar o treinamento em Vitória, mas também
ir treinar em São Paulo na sede da Associação Pesquisa
de Aikidô junto com Ono sensei e com os demais que também
ajudariam no aprendizado para tal exame.
Assim que me graduei faixa marrom fui convidado para assumir uma academia
como professor e deste momento em diante o único treinamento
que fazia era com os próprios alunos e individualmente, pesquisando
para dar conta das dúvidas e dificuldades que constantemente
se apresentam ao professor, no entanto, isto me parecia o suficiente
na época. Tudo mudou após minha primeira visita à
APA em São Paulo. Durante um movimento eu fui parar como uma
pedra no chão, parecendo até como a primeira vez que caí,
só que desta vez foi muito pior, pois eu perdi o ar, fiquei tonto
e sentia muita dor. Lembro-me claramente de ter ficado enfurecido e
que em minha cabeça a culpa era do praticante que me derrubou.
A vontade de agredi-lo era enorme. Quando voltei pra Vitória
comecei a refletir melhor sobre o acontecido. Como aquilo era possível?
Foi quando percebi o quanto eu estava cego, o quanto eu não enxergava
uma situação tão clara como ela se mostrava. Eu
não percebia, mas minha prática estava há muito
debilitada e pouco a pouco ia se deteriorando.
Mais do que isso, eu não percebia o quanto iniciante eu era,
o quanto eu ainda precisava aprender para evitar situações
como aquela. Eu não treinava em outros lugares e não tinha
uma orientação. Eu tinha a noção que muitos
de nós, ocidentais pelos menos, temos, que com a faixa preta
nos tornamos mestres. Não é a toa que a graduação
no aikidô é decrescente, de 5º para 1º kyu, que
é a faixa marrom e só depois começa a ser crescente.
Quer dizer, eu ainda nem tinha chegado a começar o aprendizado
realmente e já achava que sabia alguma coisa. Eu sequer sabia
cair adequadamente para evitar me machucar ou ficar com a mente alerta.
Como é possível aprender com esse tipo de postura? Foi
então que comecei a abrir meus olhos e minha cabeça para
o treinamento e procurei orientação e treino em outras
academias. E assim, eu que achava que já tinha o tempo suficiente
para fazer o exame para faixa preta passei a sentir que faltava muito
ainda para estar preparado para esse dia. Quanto mais eu treinava, quanto
mais eu visitava a APA, mais distante me parecia o dia de prestar exame
para Yudansha, pois havia muita coisa ainda para se aprendida. Mas não
demorou muito. Em dezembro de 2003 Ono Sensei nos comunicou que no começo
do ano os alunos com mais de dois anos de marrom e que estavam praticando
iriam poder realizar o exame para Yudansha. O exame seria no final do
1º intensivo de verão, após uma semana de treinamento.
Em torno de dez alunos viajaram para São Paulo para poder treinar
e fazer o tão esperado exame destinado aos alunos de Vitória.
Eu era um deles.
Durante a semana de treinamento eu não conseguia evitar de pensar
que talvez ainda não fosse o momento de prestarmos o exame. Quanto
mais eu treinava, mais eu sentia que ainda havia muito a ser aprendido.
Treinamos de manhã, de tarde e de noite. Eram quatro treinos
diários, mais uma aula teórica. Estávamos no limite
e mesmo assim ainda não parecia ser suficiente para, pelo menos
para mim, me fazer sentir que pronto - agora estou preparado para ser
faixa preta. Mesmo assim o dia do exame chegou e Ono Sensei nos convidou
para fazê-lo. Estávamos cansados, machucados, com um acúmulo
de aprendizado na cabeça. Lembro que muitas coisas passavam na
minha no momento, até mesmo de simplesmente não conseguir
fazer o exame devido à debilitação e cansaço
do corpo. Ono Sensei convocou a banca e os preparativos começaram.
Havia uma banca de examinadores, cada um com um longo caminho percorrido
à nossa frente e uma platéia de praticantes atrás
de nós. Nós, que mal conseguíamos ficar sentados
em seizá ou agurá, esperávamos ansiosamente pela
chamada de nosso nome. Após alguns anos sem ter que fazer exame
parecia que era a primeira vez novamente. Como se fosse julho de 98.
O coração batendo forte, a respiração intranqüila,
as pernas tremendo. E pra piorar escutávamos - "não
se preocupe, não precisa ficar nervoso", o que nós
deixava mais nervosos e preocupados, ainda mais depois de tantas reprimendas
durante o treinamento. Meu nome foi o primeiro a ser chamado de uma
lista de dez e após ficar atônito por alguns segundos,
reuni o resto de força e espírito que me restava e respondi
ao chamado. Lembro-me que na hora mesmo eu só pensava em respirar
e não fazer rápido para poder aproveitar aquele momento,
pois já sabia que seria único. Não demorou muito
então e meu exame tinha acabado. Em pouco tempo o exame dos demais
alunos acabou e iniciou-se a cerimônia de receber os certificados.
Após algumas horas de exame nos tornamos faixas pretas. Foi uma
experiência muito interessante, mas não foi essa experiência
que ficou na minha cabeça. O que simplesmente não saía
da minha cabeça não era o exame, ou certificado ou o fato
de agora eu ser faixa preta, mas era a semana de treinamento. Era o
treinamento que não saía da minha cabeça, as aulas
que eu fiz, as coisas que eu ouvi, o aprendizado que eu adquiri naquela
semana. Eram os movimentos, a troca de conhecimento com os parceiros,
a sensação de estar pegando aquele restinho de energia
e fazendo mais uma aula, mesmo com o corpo dizendo que gostaria de descansar.
Com esta experiência pude perceber mais uma coisa que eu ainda
não conseguia enxergar - que o exame, seja para 5º kyu,
seja para Yudansha, é a cada dia, a cada aula, a cada treino.
É a cada momento, cada movimento, você dar o seu melhor,
o melhor que você pode. É estar atento, concentrado, inteiro
no que se está fazendo, como se estivesse fazendo seu exame naquele
momento, pois é este momento que você tem, ele é
singular, não haverá outro igual.
A cerimônia do exame foi excelente, a sensação de
tê-lo feito foi ótima e de forma alguma nego a importância
deste e dos outros exames, destas cerimônias, mas eu vejo que
todo aprendizado que tive até hoje desde a faixa branca não
foi destinado para estas cerimônias, mas sim para vida, para o
uso diário e agora, como faixa preta, vejo que sou um iniciante
neste treinamento.