Da Motivação

Um sensei do nosso dojo um dia interpelou-me no vestiário. Perguntou se estava gostando de praticar Aikido ao que respondi que sim. Ele então pediu que compartilhasse minha experiência e impressões. E por isso resolvi escrever, com toda a honestidade e franqueza.

Das razões para fazer Aikido

Estava um dia aqui no escritório completamente entediado. Vivia uma fase altamente existencialista de minha vida, buscando um sentido e não encontrando nenhum. Simplesmente vivia um dia após o outro esperando acontecer um e outro projeto. Meus dias eram uma simples sucessão de trabalhos a acabar. Não havia nada a me desafiar. Do mesmo modo que a sensação de vazio é incômoda, a de completeza também o é.

Um amigo karateca , nidan, percebeu a aflição reinante em meu espírito e sugeriu:

- Cara tenta fazer Aikido. Acho que vai ser bom para você.

Nada mais certo. Como todos os projetos que inicio, mergulhei em pesquisas, principalmente pela Internet. Busquei os princípios e a filosofia desta arte marcial. Isso foram horas e horas de absorvente leitura. Até o dia em que decide que ia começar a praticar. Feito isso passei ao passo seguinte.

Da escolha do Dojo

Eu sabia que este seria um passo crítico. A escolha tinha que ser criteriosa e cuidadosa. Para variar usei a Internet e busquei algo próximo de minha casa, mas que tivesse credibilidade. Encontrei dois dojo: um que prefiro chamar X e a Associação Pesquisa. O passo seguinte seria visitá-los e decidir-me.

Optei por uma segunda feira, pois poderia visitar X e depois a Associação Pesquisa. Cheguei ao dojo X e impressionei-me: o lugar era imponente. Assisti à aula, conforme sugeriam os cartazes. Li os prospectos rapidamente já que eles continham informações que já havia coletado durante meu processo de pesquisa. Achei o lugar interessante, mas relutei em proceder ao processo de admissão. Uma pessoa da secretaria deste dojo deu-me uma revista de artes marciais na qual havia uma reportagem com o sensei responsável. Revista por sinal muito mal diagramada e com erros de português básicos. A reportagem em si impressionou-me, só que de maneira negativa. De início a entrevista parecia interessante. Bastou olhar mais atentamente para perceber que todas as reportagens sobre Aikido desta revista referiam-se ao dojo X e suas filiais. E mais: o referido sensei era do conselho editorial ou consultoria técnica desta revista o que me fez questionar da isenção desta publicação. Na entrevista esse mestre apregoava-se o verdadeiro baluarte do Aikido no Brasil, o que me soou extremamente presunçoso, mesmo com toda a "erudição aikidoística". Talvez pela baixa tiragem desta revista esse mestre tenha sido tão incisivo em suas declarações e estas não tenham alcançado grande repercussão. Afinal tive a oportunidade de ler seus artigos e livros que considerei muito edificantes (embora tempos depois tenha notado que figuras e textos em seus livros tenham sido retirados de publicações internacionais sem a devida referência). Foi um ponto negativo para este dojo.

Além disso, nos lemas deste dojo tinha algo como "amar a Deus". Embora respeite toda e qualquer convicção ou crença, sou ateu e jamais poderia seguir este lema. Nesse momento pensei que tudo estaria perdido. Seria possível praticar Aikido sem espiritualidade?

Parti para a Associação Pesquisa e, depois de uma conversa muito agradável com o senhor Ernesto, perguntei se havia a necessidade de crer em uma divindade para a prática. Diante da negativa decidi iniciar a prática atendendo o convite de assistir uma aula no dojo. E foram três ou quatro aulas que assisti até que, por fim, matriculei-me.

Do Início da Prática

Praticar Aikido fez com que meu corpo mudasse drasticamente. Anos acumulados de má postura e pouca flexibilidade não demoraram muito para fazer-se sentir. Sentar-me em seiza era algo dolorido e desconfortável, meus ombros permaneciam tensos durante a prática dos kata. Ainda hoje busco a correção da postura. A melhora é inegável, mas ainda há muito que se fazer.

Sentir dores musculares no início é algo inevitável e serão proporcionais ao grau de sedentarismo do praticante. A atividade física em si não é tão intensa, pelo menos para os meus padrões. Praticando esportes como trekking e escalada, não sinto tanto assim a parte "aeróbica" do treino. Mas em compensação sinto alguns músculos trabalharem mais intensamente que o habitual. No início são comuns as dores nas articulações em que as "chaves" são aplicadas mas isso só reflete uma certa falta de flexibilidade e tensões. O yonkio ainda causa-me dores atrozes e hematomas que persistem por alguns dias. Mas estou me habituando.

Dos Senseis

Uma das melhores coisas de se praticar Aikido na Associação Pesquisa é a diversidade. Cada sensei tem seu estilo peculiar, mas todos trilham os ensinamentos de Sensei Ono. Não pretendo enumerar as qualidades de cada um; que cada pessoa o perceba por si. Mas temos treinos onde energia e vigor predominam a outros baseados bem mais no Ki e respiração. Eu tento diversificar. Alguns talvez prefiram ter um só mestre. Isso é muito particular e não cabe discutir. Digo e repito: cada um com seu caminho.

Dos benefícios

Esta parte carrega-se de um certo subjetivismo. Não sendo eu um profissional de desportos ou medicina desportiva, cabe-me analisar e reportar aquilo que eu sinto. Como já disse este resultado pode estar francamente enviesado por considerações psicológicas.

Em geral senti um aumento em minha disposição e energia. Após o treino não me sinto cansado, mas renovado e com excelente humor. E - mais importante - muito relaxado.

Houve um aumento em minha flexibilidade e uma maior "consciência" de meu corpo. Os exercícios respiratórios aumentaram minha capacidade de reter e (talvez) consumir oxigênio. É como se meu processo respiratório tornasse-se mais eficiente como um todo. Sim eu sei que isso é algo que não se pode medir ou provar, mas é como eu me sinto.

Do Ki e do Aikido

Aqui entramos em um ponto delicado deste relato. Se você é uma pessoa que acredita piamente no Ki e seus benefícios, se ele é a base de sua vida e arte, recomendo que não leia esta seção. Aqui relatarei minhas considerações com toda minha bagagem cultural. Ou seja, será como um cientista, ateu e cético vê o Ki.

Toda a aula, com maior ou menor ênfase, fala-se do Ki. Que temos que trabalhar o Ki, que temos que desenvolvê-lo, liberá-lo, etc… Externamente o que vejo são movimentos naturais, torções, chaves e arremessos. A única energia que percebo é a mecânica que por sua vez é uma transformação da energia química vinda dos processos de metabolismo celular. Assim ainda vejo o Aikido como algo mecânico e não como a transferência de nenhuma misteriosa energia.

Então como explicar os mestres que fazem um gesto e pessoa acaba no chão. Pessoas que mal são tocadas e caem ao solo. Penso que esse é um mecanismo de sugestão psicológica. A pessoa acredita que alguém mexe em seu Ki e por isso ela vai ao solo. A mente faz tudo, inconscientemente. Para isso entra em conta a graduação do praticante, o tempo que ele faz aikidô e o quão sugestionável ele é. Uma maneira um tanto quanto científica de provar se o Ki provêm ou não da auto-sugestão seria vendar a pessoa que "sente" mais o Ki e fazê-la pegar nas mãos de iniciantes e avançados no Aikido. Avaliando-se a reação da pessoa em estudo pode-se saber se existe ou não essa energia.

Particularmente eu busco o Ki. Se ele existir eu o encontrarei. Sigo os exercícios, faço-os com dedicação, mas ainda não sinto os resultados. Talvez, no futuro, eu venha a rir de meu ceticismo. Mas sou assim. Todos têm uma formação, uma bagagem intelectual e emocional. Ao fazer Aikidô eu busco a evolução de uma parte mais sutil de meu ser. Se isso vai levar-me à espiritualidade, ainda não sei. Sou apenas um iniciante; um homem tipicamente cosmopolita, ocidental e racionalista que busca um sentido em sua existência. A prática do Aikidô tem me mostrado que é possível ter um sentido e um significado na vida. Que a existência humana pode ser algo mais que povoar a Terra e deixar alguns livros escritos.

Por Márcio Teixeira