Jinsei
Aikido - O aikido e sabedoria pessoal do praticante
Qual a proposta para o nosso Aikido? O que eu busco, o que quero quando
apareço para cada treino, quando me empenho em cada movimento?
Para cada um a resposta é diferente, os argumentos são
diferentes, e isso se deve a uma vida, a um corpo, a valores e a até
mesmo sonhos diferentes. Energia (Ki), defesa pessoal, arte marcial
(budo), espírito do samurai (bushido), tradição,
diversão, disciplina, saúde, nada... Na verdade, a resposta
pouco importa.
A prática do Aikido encerra a idéia de que cada um só
conseguirá caminhar o seu próprio caminho. É uma
prerrogativa que temos de sermos o que somos. Podemos movimentar as
mãos e os pés de uma mesma forma, conforme nosso mestre
ou instrutor nos ensina, mas a forma não é a essência,
me arrisco dizer que sequer é a técnica. A meu ver, as
técnicas são os fundamentos e os princípios, esses
é que criam a forma, que não passa de um movimento padrão.
A essência é a energia que torna a técnica possível
e a anima, vivifica.
Digo que os fundamentos (técnica) criam a forma (padrão),
pois a cada forma que realizamos os fundamentos surgem para cria-la
como se fosse a primeira e única vez. Dois movimentos jamais
serão realizados iguais por duas vezes, de modo que ao repetir-se
dez vezes a mesma forma (irimi nague e.g.), serão na verdade
dez formas diferentes. O movimento padrão (forma) até
poderá ser rigorosamente parecido, mas o fundamento sempre se
manifesta de modo único, ou seja, a posição do
quadril em relação ao do parceiro (a sensibilidade para
o próprio centro - itigenjussoku), a disposição
do peso de cada corpo (a circulação da energia), sem contar
tempo e espaço (ma-ai), o contato (musubi) e o mais importante,
a interação com o parceiro de treino (Aiki), que será
diferente a cada uma das vezes; tudo será pela primeira e única
vez. O padrão pode ser mantido, mas a técnica jamais se
repete. Se fosse possível realizar dez vezes um waza de modo
absolutamente idêntico, nove vezes teriam sido inúteis,
pois, bastaria uma.
Waza, a meu ver, é um processo contínuo de criação
da forma padrão a partir dos fundamentos. A forma padrão
nada mais é do que um veículo para a descoberta de cada
fundamento, de cada princípio básico. O waza mais avançado,
portanto, não é o de forma padrão mais rebuscada
e difícil, mas mais simples, que manifeste de modo mais intenso
um fundamento perfeito. Assim, os waza mais difíceis não
são os de forma mais complexa, mas os que exigem maior perfeição
de fundamentos.
Conclui-se disso que cada um pode realizar a forma padrão com
características diversas, ou seja, com força ou sem força,
com energia ou sem energia, rápido ou devagar, assim ou assado,
sempre a sua maneira, pois todos estarão buscando nada mais do
que os fundamentos do Aikido. Por essa perspectiva, cada um fica livre
para buscar a sua própria proposta de vida através do
Aikido, por que não é a maneira que desenvolve o seu treino
que importa, mas se realmente busca os fundamentos ou não. Ao
encontra-los e praticá-los, a forma padrão será
uma manifestação de sua personalidade, pois, reflete sua
busca de vida. Duas pessoas diametralmente opostas em suas personalidades
e histórias de vida poderão realizar uma mesma forma padrão
de modos bem diferentes, mas podem, na verdade, estar realizando o mesmo
waza, manifestando de modo diverso os mesmos fundamentos.
Surge uma pergunta: o que são os tais fundamentos? Particularmente,
em minha ignorância, acho mais fácil dizer que alguns movimentos
e exercícios encerram os principais fundamentos do Aikido: tenkan,
Daiitikyo-undo, Funakogi-undo, itigenjussoku. Estes, entre outros, encerram
dezenas e talvez centenas ou até milhares de fundamentos.
Disse ainda que a energia torna waza possível e o vivifica. Nesse
ponto muita gente diz que não “sente” a energia,
que isso é algo “intangível”, “imaginário”,
que é algo “subjetivo”, que não acredita em
“poder mágico”, que é “algo do além”,
ou pior: “ah, isso aí só o Sensei faz, e ninguém
tem o direito de tentar, pois é impossível e só
o Sensei sabe e pode faze-lo. Você está errado em buscar”.
Sem entrar nos méritos do Ki, do qual não posso falar,
vez que minha ignorância infelizmente ainda me mantém distante
dessa compreensão, posso dizer sem medo de errar que sem energia
(Ki) não há Aikido. Podemos ir mais longe, sem energia
(Ki) não há vida, não há Terra, não
há Cosmos, não há Universo.
A questão passa a ser então: e quem não sente,
e pior, não quer sentir – ainda que sinta – a tal
da energia? A resposta é bem simples.
A energia se manifesta no movimento. Para que se realize um waza não
é necessário “expandir” ou “transmitir/transferir”
Ki. Basta movimentar o corpo. Nesse movimento o Ki se manifesta. Se
estivermos atentos ao movimento, se soubermos ler cada minúscula
sensação corporal, cada minúsculo movimento de
nosso corpo, desde uma simples sensação de onde está
concentrado o peso de cada parte do corpo até a direção
real para onde se desloca o movimento em questão (que não
é para onde pensamos, mas para onde conduzimos) perceberemos
a energia circulando dentro do movimento - dentro de nosso corpo e no
espaço ao redor sim, mas, especialmente e fundamentalmente, dentro
do corpo único que formamos com o parceiro de prática.
Essa percepção poderá ser ampliada, potencializada
através de exercícios de kokyu-ho. Não basta, porém,
o exercício de respiração. No waza nossa atenção
deve estar voltada para o movimento que realizamos. Digo movimento e
não waza, nem forma, por que a energia é movimento. Impossível
ser congelada e demonstrada ou percebida de modo estático e padronizado,
é movimento. Também não é com atenção
voltada para o padrão da forma que se encontra essa energia,
mas no movimento de um modo geral. No simples caminhar, no simples respirar.
Mesmo parado, estático, nosso corpo está em constante
movimento, e é no movimento que podemos perceber a energia.
Essa energia, percebamos ou não, indica o caminho a ser seguido
para a melhor consecução da técnica, que é
o caminho natural do waza. Quanto mais contrariado esse caminho, mais
longe do natural e do fundamento estará o waza – por isso
digo que o torna possível - quanto mais próximo, mais
perfeito será o fundamento, e a energia se manifestará
ainda mais – se digo manifestar é porque sempre esteve
lá, independentemente de nossa percepção.
Duas são as possibilidades para a prática: percebemos
a energia em movimento e permitimos que se manifeste, guiando a nossa
construção do waza, que surgirá por si só,
ou nos esforçamos para encontrar os fundamentos presentes no
waza até a perfeição e a energia se manifestará
por si só. Em geral ouvimos dizer dos praticantes mais novos
que sempre começamos pela segunda e caminhamos para a primeira,
o que não é verdade absoluta. Sempre caminhamos de ambas
as maneiras simultaneamente.
Uma forma de prática possibilita a outra. Se não estamos
atentos à energia, pouco nos aproximaremos da perfeição
de fundamentos. Sem um waza adequado – no sentido de não
apresentar fundamentos bem definidos - pouco se perceberá de
energia. A busca pelo Ki e pelos fundamentos do waza deve ser conjunta,
pois um possibilita o outro.
O que difere, é a maneira como começamos, e isso é
próprio de cada um. Pouco importa, pois tudo surge e se manifesta
em um movimento do corpo. Ainda que percebamos só um desses elementos,
ambos estão lá. A meu ver, praticamos esses movimentos
justamente para que nossa consciência se abra para ambos, e, ao
perceber sua unidade original e inseparável, possamos ampliar
ainda mais essa consciência e perceber a unidade de todas as coisas.
Talvez seja esse um dos motivos pelos quais o Aikido foi qualificado
pelo seu Fundador como a arte da paz.
Marcos
Hoppenstedt Ruzzi
shodan