Ono Sensei - Alguém mais que amigo

Envelhecer sem se preocupar com a velhice é o que os japoneses fazem, pois, envelhecer é acumular experiências e sabedoria. E aquele que detém sabedoria é muito ouvido por aqueles que têm dúvidas. Mas, para certas questões da vida, os sábios japoneses não costumam dar explicações. Preferem empregar mitos para esclarecer as dúvidas que por vezes atormentam a vida dos jovens.

Em criança, tirava as dúvidas com a minha mãe. Por vezes, ela me contava fábulas infantis para amenizar minhas angústias. Já adulto, explorava o conhecimento e sabedoria de um grande mestre, Ono Sensei, marido da Daisy, irmã de meu falecido amigo Renato Yonamine.

Toda vez que tinha dúvidas, como uma vez por semana passava por uma sessão de acupuntura com Ono Sensei e depois jantávamos juntos, recorria a ele. Nos meados da década de 80, quando o conheci, estava na meia idade, mas já era uma pessoa sábia. Entre os japoneses, considera-se uma pessoa experiente e sábia, não apenas aquela vivida quantitativamente, mas também qualitativamente

Sensei Ono tornou-se, muito cedo, monge budista, mestre de aikido e professor de acupuntura e shiatsu. Num momento angustiante da minha vida, ele, além de aliviar meu estresse com as agulhas e massagens terapêuticas, passávamos umas boas horas conversando juntos. Foi quando aprendi muitas coisas.

Todas as quartas-feiras, jantávamos em algum restaurante japonês, no Bairro da Liberdade, na região central de São Paulo. Ele me ensinou que a culinária japonesa não se resumia apenas a yakissoba, sukiyaky, tepanyaki, teishoku, sushi e sashimi. Com ele aprendi a saborear vários outros pratos. Hoje adoro, no verão, comer "somem", um macarrão que se come gelado. Gosto também de "tororô soba", um macarrão de serrasano que se mistura com cará ralado, que é consumido frio. No inverno é uma delicia "tempurá udon", um macarrão servido em um caldo, acompanhado de camarões e legumes empanados. Como também é bom o "yosenabe", uma caldeirada de peixe típica do Japão.

Numa noite, enquanto jantávamos, perguntei ao Sensei Ono sobre o destino. Queria saber se o nosso destino era traçado. Se era possível prever alguns acontecimentos futuros. Numa outra ocasião quis saber quais os meios melhores para suplantar os obstáculos da vida e como transpô-los. Uma outra vez, perguntei se podíamos ou não contar mentiras, quando necessário. Na verdade não foram apenas três questões que apresentei ao Sensei, durante toda a nossa amizade. Foram várias, mas essas três ilustram como os sábios japoneses, sem explicação, conseguem clarear as mentes dos jovens.

Quando lhe indaguei sobre o destino, Sensei Ono me contou que em outros tempos, no Japão, um jovem senhor muito rico soube que passava pela sua aldeia um grande mestre. Foi ao seu encontro para saber sobre o seu futuro. O sábio lhe revelou várias coisas. Mas quando foi interpelado pelo seu consulente a respeito do tempo de vida que ainda lhe restava, o mestre calou-se. Diante da sua insistência, o sábio lhe revelou que, apesar de jovem, ele não teria uma vida longa.

O rico homem decidiu viver o tempo que lhe restava de uma forma mais humilde. Era um homem bom. Vendeu várias propriedades e começou a praticar atos de caridade. Ajudava os necessitados sempre que precisavam dele. Mesmo sabendo que a sua vida seria breve, continuou a viver modestamente. E assim foram passando os anos.

Muitos anos depois, o rico homem soube que um sábio passava pela sua região. O bom homem foi ter com o mestre. Reconheceu o sábio, pois era o mesmo da vez anterior, e o questionou por que havia se enganado sobre o seu destino, pois lhe havia dito que morreria cedo. O mestre então lhe perguntou se não era o homem que andava praticando caridade, ajudando os necessitados. Diante da resposta afirmativa, o sábio lhe disse que ele estava fadado a morrer tempos atrás, mas como tinha vivido modestamente e praticando o bem, Deus, para lhe recompensar, concedera-lhe uma vida longa.

Para falar dos obstáculos da vida, Sensei Ono contou a história de um mestre de artes marciais e seus discípulos. Ele contou que todas as tardes, após os treinamento, o mestre e seus discípulos praticavam caminhadas pelas trilhas de um bosque, próximo ao castelo onde viviam.

Numa tarde, ao voltar pelo caminho costumeiro, o mestre parou e olhou fixamente à sua frente, para um ponto distante. Disse que, naquela tarde, não prosseguiriam por aquela trilha e convidou os discípulos a tomar um caminho mais longo, mas seguro. Quando lhe questionaram, respondeu que percebera um movimento estranho à frente. Poderia haver saqueadores à espera de transeuntes, e deveriam evitá-los. Alguns discípulos, principalmente os mais novatos, insistiam em prosseguir pelo caminho costumeiro. Por praticarem artes marciais, julgaram poder combater os ladrões.

O mestre tomou outro caminho acompanhado pelos seus discípulos mais experientes. Eles chegaram no castelo, banharam-se e reuniram-se para o jantar. No meio da refeição, os valentes discípulos surgiram, com roupas rasgadas, sujos e feridos. Perguntaram ao mestre por que ele e os mais experientes discípulos não os acompanharam. Disseram que se o mestre e os demais os tivessem acompanhado, o combate não teria sido tão árduo. O mestre apenas disse que é preferível evitar certos obstáculos a tentar transpô-los.

Para que eu entendesse que, quando fosse possível, a mentira deveria ser evitada, Sensei Ono contou que, em um outro tempo, um sábio caminhava por uma rua estreita e deserta de um povoado. Cansado, resolveu descansar junto a um muro. Ele se agachou e ficou de cócoras. Fechou os olhos e encostou o queixo no peito e, antes de relaxar, puxou a aba de seu chapéu para frente e para baixo. Alguns minutos se passaram quando o silêncio foi sendo preenchido por um barulho provocado por pés que corriam apressados. Aos poucos as passadas foram se aproximando.

O barulho das passadas cessou e o sábio ouviu uma voz ofegante e medrosa. O homem que lhe falava não pôde ver o seu rosto, pois o sábio não desgrudou o queixo do peito. A aba do chapéu do mestre lhe impedia a visão, de modo que ele também não viu o homem postado à sua frente. Este disse que havia furtado algumas frutas para saciar a fome de seus filhos. Disse que era pobre e precisara roubar para que eles não morressem de fome. Que alguns homens estavam perseguindo-o e, se no caso lhe perguntassem se tinha visto alguém com frutas na mão, que negasse. O sábio não precisou olhar o rosto do pobre homem para ver que falava a verdade. Pelo jeito de falar e pela voz desesperada, percebeu que era um homem humilde e passava necessidade. Mas mestre não mente.

Assim que o pobre homem se afastou, o sábio ouviu várias passadas em sua direção. Antes que chegassem, ele então se levantou, atravessou a rua, se agachou do outro lado. Quando os homens chegaram e lhe perguntaram se ele havia visto um ladrão passar por ali, o sábio, sem levantar o rosto encoberto pelo chapéu, respondeu, "desde que deste lado cheguei, não vi passar ninguém."

Sensei Ono me curou, me fez parar de fumar e me fez intolerante a uísque, bebida que tanto adorava. Ele me fez uma pessoa mais saudável e reflexiva. Tanto me fez sentir melhor que me afastei dele, pois me sentindo melhor, fui fazer outra faculdade. Já fazia muito tempo que não o via, mas nunca o esqueci, pois foi uma das pessoas especiais que encontrei na vida, quando fui, há quase dois anos, ao seu aniversário de oitenta anos. Puxa, lhe fizeram uma grande e emocionante festa. Havia no clube okinawano ("Okinawa Kaikan"), na Liberdade, mais de quinhentas pessoas para lhe prestararem homenagens. Quando fui lhe cumprimentar e parabenizar, ele me deu um forte abraço, o que me emocionou muito e não pude evitar que meus olhos se umedecessem. Logo, estará com 82 anos, mas continua a dar aulas de aikido.

Ah, certa vez, me queixei a ele que sempre passava mal quando bebia uísque, mesmo sendo escocês. Ele sorriu e disse,

- É que agora você está saudável.

- Como Saudável? - lhe perguntei - Como saudável, se passo mal?

- Um organismo saudável, quando algo lhe lhe vai fazer mal, ele rejeita. - disse e completou - Se após engerir uísque, você passa mal, é porque seu oraganismo já está lhe avisando para você evitar, pois para você é um veneno. Se você nada sentisse, a bebida continuaria a lhe fazer mal, sem você perceber. Passar mal é um aviso, que só um corpo saudável tem.

Assim é o Grande Mestre Ono.

por Paulo Moriassu Hijo